31.10.07

Um inédito

Pouso



tão lento
quanto

possível agora
pousar o olhar

na parte acesa da rua
de onde

você surgirá agora
pela primeira

vez (ontem tempos
atrás amanhã

antes do sol que se agora)
como se

agora apenas
retornasse

para
(1) esta casa

(2) este corpo e
(3) a alegria

que sempre
agora

lembra
seu nome

28.10.07

não-ficção

O peixe não segura a mão de ninguém


O quarto é um peixe. Três não são peixes. São homens, isto se vê. Nenhum dos três que não são peixes foi pescado pelos demais. Desconfio que o peixe foi pescado por um outro que não aparece na fotografia. Um homem. Com uma câmera fotográfica. O peixe está morto. Não compreende que foi fotografado, morto como parece estar. No tempo em que foi batida a fotografia, todos, menos o peixe, estavam vivos. O menor de todos ainda não fizera filhos em ninguém. Era, ele próprio, filho. Um dos dois feitos por um dos outros dois. Que também eram filhos. De pais que não apareciam na fotografia. E que também eram pais de filhos fora da fotografia. O que segura o peixe era pai do menino de quem o outro dos dois mais velhos segurava a mão. O menor de todos (menor até do que o peixe dado como morto, porque ostentado como um troféu e suspenso por um anzol) tinha uma irmã. Mesmo não aparecendo na fotografia, a irmã do menino era filha do que segurava o peixe. Não se sabe se o peixe, que também era filho, tinha filhos. Nem se o outro homem, o que segurava a mão do filho do homem que segurava o peixe morto, tinha seus próprios filhos, crescidos de sua própria porra. O peixe foi comido por alguém que não aparece na fotografia. E por sua família. Não a do peixe, mas a de quem o fotografou. A família do pai que segurava o peixe não comeu nem a mais minúscula lasca do peixe. A família do outro homem, se é certo que ele tinha uma, tampouco provou do peixe. Dos quatro que aparecem na fotografia, nenhum sorri. Nem diz palavra. O peixe tem a boca aberta. A fotografia comprova o que se diz: que peixes morrem pela boca. As bocas dos três que não são peixes estão cerradas. Por elas não escorrem nem sorrisos nem palavras. São três bocas silenciosas. Três silêncios de ouro. Quatro, com o do peixe. Que está com a boca aberta. Cinco, com o do homem que fez a fotografia. A sombra dele se projeta sobre o corpo do homem que segura a mão do filho do homem que segura o peixe. O peixe, decerto porque está morto, não segura a mão de ninguém. Dos homens, o menor de todos é o único que escreverá um dia sobre o tempo longínqüo em que se posava para fotografias com um peixe morto suspenso por um anzol. O peixe está alheio a tudo o que seu olhar morto já não é capaz de ver. Peixes não escrevem. A maioria dos homens também não. Alguns homens escrevem sobre peixes e homens que pescam peixes para exibi-los como troféus. Uma fotografia é uma forma de pescar pessoas, pensa o menino. Numa fotografia todos parecem mortos, pensará ainda o menino quando já for, não mais um menino, mas o pai de algum menino ou de alguma menina. Um dos quatro na fotografia talvez seja eu. Eu não sou o/um peixe. Ele, o peixe, já havia sido pescado e exibido como um troféu naquele tempo. Eu não sou um troféu. Nem sou os outros dois que aparecem na fotografia. Nem é minha a sombra que repousa para sempre sobre o que parece ser o mais velho dos que aparecem com nitidez na fotografia. E que nunca serão totalmente peixes, mesmo depois de mortos. À mãe dos filhos peixes, minha mãe, aprendi que só devo pedir, agora, quando já não sou o menor de todos, o seguinte benefício: que peixe morto algum se pareça comigo quando a morte vier me pescar.

24.10.07

Novas


A boa é que retorno ao Rio hoje, para participar do programa Salto para o futuro, da TVE, nesta semana dedicado ao tema "Poesia na escola". Aproveito e vou ver com calma a mostra poiesis, no Oi Futuro (ver post abaixo). Volto para BHZ amanhã e já retomo a feitura da quinta edição da revista Roda - Arte e cultura do Atlântico Negro, agora enriquecida pela presença da jornalista Janaina Cunha Melo, que assumiu o cargo de editora-adjunta. Enquanto isso, no LIRA, prossegue o curso "Palavra falante: a voz na poesia" (quem perdeu o bonde, fique ligado, que em março receberei uma nova turma).

Mas a grande novidade mesmo é que a incubadora de projetos editoriais que acabou surgindo no rastro da criação do LIRA já produziu seu primeiro livro: Cada, de Bruno Brum - que considero, sem favor, um dos poetas mais inventivos dentre os que lançaram seus primeiros trabalhos nos últimos anos (em Minas e além-montanhas). O lançamento será no dia 26 de novembro, na livraria Quixote. Até lá, reproduzirei alguns poemas do livro. Quem quiser saber como fazer para garantir o seu exemplar, favor clicar aqui.

17.10.07

Para quem estiver no Rio

Nota: Vou participar da mostra POEISIS com uma paisagem poético-sonora (poetic soundscape) baseada no meu poema para uma eventual conversa sobre poesia com o fiscal de rendas. A novidade é que convidei os 28 alunos das duas turmas de Design do Som I, que ministro na Faculdade de Engenharia e Arquitetura da Fumec, para compor comigo a trilha sonora do trabalho. Um outro aluno, Leandro Vinícius, este da turma de Design do Som II, ficou responsável pela edição dos 3 DVDs que serão projetados simultaneamente na sala que me foi destinada.

13.10.07

Mulher com(o um) livro aberto



Já que eu nunca escrevi sobre essa conjunção mais que essencial na vida de meus neurônios e hormônios tão fatigados, foi preciso recorrer a um dos poemas de Frederico Barbosa que contam entre os meus favoritos para "ilustrar" esta reprodução de uma obra da pintora Francine Van Hove que encontrei por aí e arquivei há meses, para qualquer eventualidade. Nem gosto tanto da pintora, mas

Como quem lê


Virar a chave,
como quem lê uma página:
abrir por dentro,
libertar-se sendo.
Como quem se envolve na personagem,
lento.

Descobrir o além do sonho,
o impensado, o certo,
o mais que imaginado.
O que os olhos buscam cobrir
no sonho.

Ver em você, minha cara,
minha cara interpretada:
metade minha, metade clara.




8.10.07

Babel


Projeto 8 e ½

conversa com Raúl Antelo

Lançamento de
Tempos de Babel - Anacronismo e Destruição
Lumme Editor





Coordenação do projeto 8 e ½

Demétrio Panarotto & Manoel Ricardo de Lima
quinta-feira / 11 de outubro / 19hs

Et Cetera Café
Av. Prefeito Osmar Cunha, 260
Loja 01 - Centro - Florianópolis - SC
Fone (48) 3025-4588
Fax (48) 3025-4889

1.10.07

Cinco décadas à mostra


Chega à galeria Alberto da Veiga Guignard do Palácio das Artes a mostra poesia concreta - o projeto verbivocovisual, um vasto panorama da trajetória criativa dos poetas Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, José Lino Grunewald e Ronaldo Azeredo. A abertura será no dia 3/10, quarta-feira, para convidados, e no dia seguinte para o público em geral. Sugiro, como aquecimento, uma visita ao site do projeto (http://www.poesiaconcreta.com.br), que traz fotos, vídeos, poemas em áudio, documentos e depoimentos históricos.