30.7.10

Um post

O nome Bressane, até onde alcanço, é sinônimo de talento: Júlio, o cineasta; Dulce, a cantora, presente nos primeiros discos de Egberto Gismonti; Ronaldo, o prosador, poeta e jornalista, de quem acabei de ler um post nada menos que foderoso sobre a, na falta de melhor definição, tesuda da foto acima. Tome aí um trecho do post bressânico: Quando Chrissie bate na porta da comuna musical Amon Düül, seu nome já é Uschi Obermaier. Ela não seria a namorada de um marinheiro que perdeu as graças do mar; seria a namorada de toda aquela banda de kraut-rock. E, confirmando que sabe trocar o liebzeit pelo zeitgeist, como toda boa garota hippie vai pro pandeiro. Sua banda viaja para um festival em Essen e faz amizade com os colegas da Kommuna 1, que então ocupa a casa do poeta Hans Magnus Enzensberger. Bem selvagem essa turma. Totalmente contra o consumismo e a burguesia. Totalmente contra o passado nazista. Totalmente a favor de disparar tortas na cara dos políticos (o que eles chamam de “assassinato por pudim“), tocar fogo em lojas de departamento (“Solte na rua a sua vontade Vietnã de pegar fogo“), além de totalmente aberta ao amor livre.”

Vamos falar da performance como um assunto sério (mas pleno de humor, sarro, escracho), sem fronteiras claramente demarcáveis?

24.7.10

Será que a TV brasileira voltará um dia a exibir tamanha demonstração de liberdade?

Um dia, a caminho de Fortaleza, onde mora o meu amigo Carlos Augusto Lima, parei no aeroporto de Brasília e pensei nele,

quando ele apareceu do nada, como se fosse viajar, por exemplo, para Porto Alegre. Ia mesmo. E foi.


Agora, tempos depois, já com a bela Fortaleza na cabeça (vou para lá na semana que vem), recebo um link para uma entrevista em que o querido Carlos diz coisas como "a poesia não acompanha, por um lado, o tempo veloz da informação acelerada, quase esquizofrênica, emergencial em que vivemos. O gesto do poema é o da calma, da reflexão e do cuidado que estamos perdendo a cada dia. Por outro lado, a linguagem da informação de tão urgente, se tornou estúpida, rasteira, cretina. Daí, a linguagem do poema dispara, se reinventa sempre, vai além, está à frente do tempo, cumpre a sua função, e a maioria dos leitores, tão amansados pela linguagem estúpida do mundo da informação, não acompanha o poema."

21.7.10

Mais uma: a primeira



Ainda sinto no corpo o impacto da pauleira que foi a montagem da “leitura-concerto” Música para modelos vivos movidos a moedas, no 23º Inverno Cultural de São João Del-Rei, domingo à noite. Mas estou muito alegre: é um trabalho totalmente calcado na exploração da relação espaço/tempo, em que a visualidade ganha destaque, tensionando e se deixando tensionar pelos demais elementos (voz gravada e voz ao vivo, ruidagem eletroacústica, corpografia e tal). Como tudo o que faço, óbvio. A diferença é, que agora, o improviso é relativizado, em favor de uma construção mais minuciosa da cena – que ainda demanda pequenos, médios e grandes ajustes, sei disso. Tão boa foi a estreia que já comecei a ensaiar para a próxima apresentação, que acontecerá no dia 9/8, em Itajaí, Santa Catarina, abrindo a programação do festival Folia das Falas. Detalhe: farei por lá o segundo lançamento do livro Modelos vivos - o primeiro acontecerá no dia 6/8, em Fortaleza, onde participarei do Seminário Arte, Invenção e Experiências Formativas, promovido pelo Centro Cultural Dragão do Mar.

PS: Comemorei a estreia, ontem à tarde, saindo para comprar meu ingresso para ouver (Palácio das Artes, dia 14/8), no Festival Internacional de Teatro/FIT, a montagem de Happy Days, de Samuel Beckett, assinada por Robert Wilson, à frente da Change Performing Arts. As fotos acima são de Paulo Filho, a quem agradeço pela permissão para reproduzi-las.

13.7.10

Música para modelos vivos movidos a moedas

Domingo que vem, dia 18, às 20h, no Anfiteatro do Campus Santo Antônio, em São João Del Rei, abro a programação de Literatura do 23º Inverno Cultural, promovido pela UFSJ, com a primeira demonstração pública da “leitura-concerto” Música para modelos vivos movidos a moedas. Tendo surgido como um projeto acoplado ao livro Modelos vivos, produzido com recursos da Bolsa Petrobras Cultural/2008, a performance ganhou vida própria ao longo dos quase dois anos em que me dediquei ao desenvolvimento simultâneo das duas obras. Cheguei a cogitar da ideia de lançar o livro na mesma data, mas isso me obrigaria a “correr” com a impressão do Modelos vivos, o que vai totalmente contra o meu intuito de fazer tudo do modo mais lento possível “daqui para radiante”, como dirá Paulo Leminski, no Catatau.

No repertório da performance (que chamo de “leitura-concerto” para frisar o pertencimento do meu projeto artístico ao – maravilhoso – mundo da palavra escrita, em geral, e ao universo do livro, em particular), 30 poemas extraídos da nova coletânea são entremeados a três vídeos inéditos – acima, o frame de um deles – e a um arsenal sonoro que inclui técnicas de “voz expandida”, processador e pedal de efeitos, manipulação ao vivo de rádio gravador cassete, teclado midi, laptop, violão “preparado”, conchas do mar e uma série de objetos do cotidiano usados como instrumentos sonoro/musicais. Depois da apresentação, com mediação da professora Maria Ângela de Araujo Resende, professora de Literatura Brasileira e Teoria Literária da UFSJ, converso com o público sobre o processo de composição dos meus dois novos trabalhos.

Em Belo Horizonte, o lançamento de Modelos vivos e a apresentação de Música para modelos vivos movidos a moedas acontecerão em setembro, dentro das comemorações do que chamo de meus “50 anos em 5 décadas”. Aguardem mais detalhes. Em breve falarei também sobre as idas já confirmadas a Fortaleza, Brasília e Rio de Janeiro. PS (1): "Leitura-concerto" tem a ver, também, com o fato de que TODAS as vocalizações foram minuciosamente partituralizadas - mesmo nas partes em que parece predominar o trabalho de improvisação que marca alguns dos meus trabalhos anteriores. PS (2): Entrada franca. P (3): Já havia feito a postagem acima quando li sobre a morte de um dos mais importantes músicos brasileiros de todos os tempos, o clarinetista, saxofonista, maestro, compositor, professor e arranjador Paulo Moura, aos 77 anos, vítima de um câncer linfático. Seu estupendo disco Confusão urbana, suburbana e rural diz bem quem é Paulo Moura.

7.7.10

Um livro, uma notícia, a roda do mundo que segue seu curso

Recebi anteontem pelo correio um pacote enorme, pesado, com alguns livros que me foram enviados pelo meu mano Edimilson de Almeida Pereira, poeta e antropólogo, sabedor de tudo o que diz respeito aos desdobramentos estético-culturais da travessia do Atlântico Negro. Folheei-os rapidamente, atraído pelo maior de todos, com seu titulo chamativo e elegante, Um tigre na floresta de signos – poesia e demandas sociais no Brasil. Trata-se, para dizer pouco, do mais alentado projeto já desenvolvido no país em torno da produção textual dos negros brasileiros na contemporaneidade. Dos cantopoemas sagrados do candombe, do candomblé e do congado aos experimentos visuais e às performances, do texto engajado de poetas ligados à militância anti-racismo ao inconformismo cantofalado dos rappers, nada escapou aos estudiosos convocados por Edimilson para a elaboração dos ensaios que se distribuem pelas 752 páginas do livro.

Depois de algumas poucas horas entretido com a leitura errática de fragmentos dos ensaios, deixei de lado qualquer laivo de modéstia e li, de cabo a rabo, o estudo de Prisca Agustoni, “Um corpo que oscila: performance, tradição e contemporaneidade na poética de Ricardo Aleixo” , que traça instigante paralelo entre o meu trabalho em cena e a prática dos griots africanos (“......”). Lido o ensaio inteiro, enfrentei o sono – que já rivalizava com a vontade de conferir os outros escritos – com uma busca, no Google, de informações recentes sobre o trabalho do mais conhecido griot contemporâneo, Sotigui Kouyaté, de quem sou admirador desde que assisti O céu que nos protege, de Bernardo Bertolucci, há muitos anos (pude vê-lo atuar em Belo Horizonte, no Festival Internacional de Teatro de 2004, no espetáculo Tierno Bokar, como integrante da companhia do encenador Peter Brook).

Uma leitura superficial dos links encontrados bastou para acabar com todas as alegrias de que o presente do mano Edimilson me cobrira: constatei que o senhor Kouyaté morreu no dia 17 de abril último, aos 74 anos de idade, vítima de “maladie pulmonaire”. Depois de um breve silêncio, rezei por seu espírito e continuei a busca, com o fim de me consolar com possíveis referências ao ocorrido na imprensa brasileira. Nem uma linha a respeito, o que diz muito sobre o atual estágio do jornalismo cultural por aqui. O mais estranho é que, no ano passado, Sotigui Kouyaté foi destaque na mídia de todo o mundo, em função do Urso de Prata que conquistou no Festival de Cinema de Berlim, graças a sua atuação no filme London River, dirigido pelo cineasta franco-algeriano Rachid Bouchareb.

Para quem ainda não teve qualquer contato com a obra e a visão de mundo desse malinense que se definia como um “africano de origem e cidadão do mundo” e para aqueles que, como eu, tiveram a sorte de apreciar sua grande arte enquanto ele estava vivo, sugiro que garimpem com cuidado na web, que não se decepcionarão. De saída, indico a quem se interessar dois depoimentos dele (aqui e aqui) que, por sintetizarem uma concepção da arte que a torna indissociável da vida, são pequenas joias de sabedoria e iluminação, fundamentais, portanto, nestes nossos dias de confusão e falta de perspectivas.